quarta-feira, 5 de outubro de 2022

STIEL, Valdemar Corrêa. BELÉM em História do Transporte Urbano no Brasil. Pini; Brasília; EBTU. 1984. pp. 19-34.

Capa do livro “História do transporte urbano no Brasil”


STIEL. Valdemar Corrêa. Belém In História do transporte urbano no Brasil: bondes e trólebus : "summa tranviariae brasiliensis" / Waldemar Corrêa Stiel. — [Sâo Paulo] : Pini; Brasília; EBTU. 1984. pp. 19-33.

BELÉM 

Unidade da Federação: Pará 

Latitude: 1º 28' 03" S 

Longitude: 48° 29’ 18" W 

Altitude: 10 m 

Área: 736 km2 


1 . História 

A cidade de Belém está situada num dos braços de saída para o rio Amazonas, à margem do estuário do rio Pará. É o maior entreposto comercial da Amazônia. Sua fundação data de 12 de janeiro de 1616, sendo seu fundador o antigo capitão-mor do Rio Grande do Norte, Francisco Caldeira Castelo Branco. Primitivamente lhe foi dado o nome de Feliz Luzitânia, sob a proteção de Nossa Senhora do Belém. Depois passou a chamar-se Nossa Senhora do Belém do Grão Pará, tendo Felipe da Espanha lhe dado foros de capitania.

Suas primeiras ruas, traçadas sem estudo prévio, foram abertas todas paralelas ao rio. Os caminhos transversais levavam ao interior, sendo maior o desenvolvimento para o lado norte. Ali os colonos levantaram suas pequenas casas de taipa, formando o que ultimamente foi chamado de “cidade velha".

Os primeiros habitantes da zona sul foram os religiosos capuchos de Santo Antônio que construíram às margens do rio Paraná-Guaçu o hospício do Una.

Mas os primeiros habitantes portugueses, não cuidaram do progresso da capitania, absorvidos que estavam pela procura do ouro. Em 1676, procedentes da Ilha dos Açores chegam 50 famílias, num total de 234 pessoas, que vieram como agricultores. Na mesma época foi instalada a Alfândega e construídos as fortalezas da Barra e o forte de São Pedro Nolasco.

A partir do século XVIII a cidade progride para o lado da mata, longe do litoral. Em 1793, o então governador e capitão-general do Grão Pará e Rio Negro, organizou o tradicional préstito religioso, que ainda hoje subsiste: "O círio de Nossa Senhora de Nazaré”.

Em 15 de agosto de 1823 o Pará finalmente aderiu à Independência, após períodos agitados de lutas.

Uma onda de sangue que abalou a terra do Pará foi a “cabanagem”, revolução nati- vista, ocorrida entre 1833 e 1836.

Com a abertura dos rios Amazonas, Tocantins, Tapajós, Madeira é Negro à nave- gação mercante de todas as nações, houve um sensível desenvolvimento na cidade.

Em 1876 foram substituídos os velhos lampiões a querosene nas ruas, por iluminação a gás, melhoramento que poucas cidades do país possuíam.


2. Bondes a vapor

Os serviços de transporte coletivo, que inicialmente era uma linha de carris urbanos com tração a vapor, foram contratados pelo governo da província em 1.° de setembro de 1869, com o cidadão norte-americano James B. Bond, com privilégio para instalar na cidade o serviço de transporte. A primeira linha seria estendida do largo da Sé, na cidade velha, até a praça Justo Chermont, antigo largo de Nazaré. O concessionário, antes da inauguração transfere os direitos à firma Bueno & Cia., de propriedade de Manoel Antonio Pimenta Bueno, que então organiza uma Sociedade Anônima, sob a de-nominaçáo da: *Companhia Urbana de Estrada da Ferro Paraense* Esta companhia era representada pelo comendador Antonio Homem de Loureiro Siqueira e os comerciantes José Francisco Linhares e E Scharamm Os seus estatutos foram aprovados pelo decreto n.° 4.719 de 22 de agosto de 1871 e inaugurou-se o seu tráfego em 1º de novembro do mesmo ano. Compunha-se a estrada da linha principal, entre o largo do Palácio, na cidade de Belém e Nazaré, com 3 413 km. e o seguinte 'Itinerário os carros desciam pela calçada do Colégio, rua da CadeIa. ho|e Joáo Alfredo, frente do Teatro Providência, rua de Santo Antônio dobrando na travessa da Misericórdia, atual praça Barão de Guaiará. subiam pela rua de Sáo Vicente, agora Pais de Carvalho, travessa dos Mirandas, que é a moderna Av Presidente Vargas, antiga 15 de Agosto, largo de D Pedro II. atualmente praça da República de onde tomavam a direçâo da estrada de Nazaré até o fim da linha'. (1)

Foram adotadas 16 estações intermediárias para descer e receber passageiros nos seguintes pontos: largo do Palácio, travessa do Pelourinho, travessa do Passarinho, largo da Misericórdia, travessa das Gaivotas, esquina da rua dos Mártires, esquina da rua das Flores, entes da volta da travessa dos Mirandas, largo da Pólvora, depois da volta defronte da casa do Dr Moraes, travessa da Glória, largo da Memória. defronte da casa de Jaime Pombo Veicio. centro do largo de Nazaré, defronta da casa de Maria Carolina de Figueiredo e estação.

Era cobrada a tarifa de 320 réis (uma pataca. que era uma antiga moeda de prata nesse valor) por passagem, com direito a condução grátis de um volume que coubesse sob o banco.

A linha foi prolongada no ano seguinte até o Marco (boulevard da câmara municipal) com 4,119 km de extensão e o do ramal de Pindaré, com 1,610 km. Esta segunda linha receberia da província, durante cinco anos contados a partir de 5 de setembro de 1870, a subvenção de 10:000$000.

Foi despendida, na construção da linha, a quantia de 282:214$579 e com a aquisição do material rodante, 79:958$243. Este último era composto de quatro carros de passageiros da fábrica norte americana John Stephenson Co.; três locomotivas a vapor e quatro vagões para carga. Em 1875 o material rodante se compunha do seguinte: três locomotivas de caldeira verticais, 12 carros de passageiros e oito de carga, que era ainda "considerado insuficiente”. (2)

Mesmo assim havia muita concorrência por parte de carruagens de aluguel, devido à morosidade dos trens.

3. Bondes

Em 12 de novembro de 1894 é firmado entre a Intendência de Belém e a Cia. Urbana, um contrato para o estabelecimento na capital do serviço de bondes elétricos.

Inicialmente foi concedido o privilégio desse serviço por 25 anos, sendo de três anos o prazo para funcionamento das linhas. Não sendo possível manter o prazo, a companhia requereu e obteve prorrogação do mesmo por mais oito anos e aumento do privilégio para 50 anos, ou seja, até 1947 (lei municipal n.° 133, de 8 de abril de 1897).

Mesmo dentro desse prazo, não conseguiu a companhia instalar o esperado melhoramento, tendo obtido nova dilatação.

A época na cidade de Belém era de renovação. Uma das melhores administrações que Belém já teve foi a de Antonlo José de Lemos (maranhense radicado no Pará) que como Intendente, entre 1897 e 1911. aliado à *febre da borracha* embelezou a cidade com multo bom gosto Ê Instalada luz elétrica e os antigos calçamentos das ruas, que eram feitos em madeira, foram substituídos por granito.

Em 23 de setembro de 1898. para execução do artigo 3.° da lei n.° 133 de 8-4-1897. a Cia. Urbana apresentou o mapa em original e cópias, representando graficamente o percurso nas ruas para as diferentes linhas de tramways elétricos.

A usina de força estava situada à margem da baia de Guajará, no bairro do Reduto, com 67.1 m de frente e 203.5 m de fundo, com terrenos acrescidos e de marinha, contendo: um galpão coberto de telhas, para depósito: uma casa de talhas, para almoxarifado e escritório e a usina elétrica com casa de máquinas a caldeiras para oito baterias, produzindo no mínimo cada gerador 3 mil kg de vapor, construída de ferro ondulado, medindo 24.5 m x 48 6 m, ou seja. uma área total de 1 190.7 m². com depósitos de materiais e laboratórios com fotômetros para experiências da lâmpadas e intensidade de luz.

Havia quatro máquinas a vapor, sendo três com caldeira vertical. tríplice expansão, com condensação, funcionando em alta ou baixa pressão e força normal de 300 Hp efetivos sobre o eixo e máxima de 400 Hp com admissão da vapor no pequeno cilindro da 11 kg, e uma máquina vertical Compound a dois cilindros com distribuição Carliss, comportando um sistema da condensação por mistura, acionado diretamente por um volante de ferro fundido.

As três primeiras foram construídas em Chermnitz (Alemanha) pela Sachischa Machinen e a última construída pela 'Societé Alsacienne’ (França).

Foram instaladas, também, três caldeiras a vapor de uma pressão de admissão de 12 atmosferas bastante para produzir o vapor necessário a 1 200 Hp. que foram fornecidos por 'Steimmuller de Grumnesberg* (Alemanha).

Tinha mais uma oficina mecânica com um guindaste para 12 t.

Era prevista a alimentação de 2 250 lêmpadas de 16 velas e 153 lâmpadas de arco voltaico de 25 amperes cada uma.

A bitola das linhas da Cia. Urbana era de 1.44 e a estação central em Nazaré era edificada em terreno medindo 49.5 m de frente por 330.5 m de fundo, com cavalariças para 600 muares, depósito de carros, oficinas, enfermaria, almoxarifado. sala de espera para passageiros e escritório, poço. bombas, desvios e garagem para movimentação dos tramways.


4. Cia. Paraense

Em 1881 é formada nova companhia, com pequeno capital. O decreto n* 8543. de 20 de maio de 1882. aprova os estatutos.

Seu concessionário era o bacharel Felipe José de Lima. que assina o contrato com a municipalidade (câmara municipal) em 3 de novembro de 1881.

A bitola seria de 0.75 cm e ligava o Arsenal da Marinha ao Matadouro, numa distância de cerca de 7 km. além de outros pontos como o largo da Sé. av de Nazareth ao de Batista Campos etc . com a extensão total aproximada, em 1894. de 25 km A companhia possuía, também, a estação de Batista Campos, com pequenas linhas: Independência, praça da República e Reduto, sendo ponto terminal das duas últimas em São Jerônimo.


5. Unificação

Para efeito de eletrificação, em 1894 as duas companhias foram unificadas, sendo que em 1902 era este o movimento nas diversas linhas da Cia. Urbana: 

1ª Linha - Praça da República ................................................................................................ 174 Viagens

2ª Linha - Marco-Subúrbio ...................................................................................................... 44 Viagens 

3ª Linha - São José ................................................................................................................. 110 viagens

4ª Linha - Correio-Praça Independência à rampa Sacramento ................................................ 42 viagens

5ª Linha - Umarizal ................................................................................................................ 111 viagens

6ª Linha - Cemitério Santa Izabel .............................................................................................. 8 viagens


O total de linhas em tráfego no princípio do século era este: bitola larga (1,44), 42 km de extensão; bitola estreita (0,75), 37 km de extensão. O material rodante em 1902 constava de 90 carros para a bitola larga, 77 para a bitola estreita, mais duas locomotivas de 12 t e 18 t.

Enquanto se aguardava a instalação dos bondes elétricos, surgiram em 1899, objetivando concorrer com os bondes, “os carros Rippert, de propriedade da empresa do concessionário Silvestre Joaquim Dias, que obteve pela lei municipal n.° 208, de 24 de setembro daquele ano, permissão para explorar, por meio de linhas regulares, na cidade e subúrbios, o serviço de transporte". ( 3 ) Ao que parece, o povo não os aprovou em vista da inferioridade dos veículos e irregularidades nos horários e, alguns meses depois de iniciado o serviço, este foi extinto.

Tendo em vista a desorganização da Cia. Urbana, o governo municipal teve de tomar sérias providências para preservar os interesses da cidade e dos seus habitantes. Assim sendo, por lei municipal n.° 391 de 9 de dezembro de 1904, a companhia, e seu acervo inclusive, foi transferida para C. H. Christopher “empresa ou companhia que para esse fim fosse organizada em Londres”.


6. Bondes elétricos

A 27 de janeiro de 1905 é assinado o contrato com o capitalista Moller e a empresa por este organizada em Londres que se chamou “Pará Electric Railways and Lighting Company”, que tinha como presidente Sir William Evan Gordon (membro do Parlamento Inglês) e diretor W. R. Whigam; era gerente G. W. Andrews.

Agora, a “Cia. Urbana de Estrada de Ferro Paraense" transformada em “Pará Electric Co.” se desenvolveu mais rápido e em 16 de dezembro de 1905 assina contrato com a Intendência “para os serviços de viação e iluminação pública pelo sistema elétrico". O contrato previa o percurso de 13 linhas iniciais.

Em 15 de agosto de 1906 é iniciado o assentamento dos primeiros trilhos para os bondes elétricos, na av. Intendência, canto da praça Floriano Peixoto, antiga São Brás. Em abril de 1907 pelo navio Antony chega, procedente de portos da Europa, diversos materiais para o novo sistema de tração urbana.

Entre esses materiais encontravam-se grande quantidade de ferramentas próprias para assentamento de trilhos e montagem de veículos. Chegaram também 15 carros elétricos, sendo que três deles eram próprios para a condução de enfermos para hospitais, de acordo com a cláusula 74 do respectivo contrato com a Intendência de Belém. No mesmo vapor vieram, também, os engenheiros A. N. Connett, diretor e chefe da empresa inglesa J. G. White e Co. e R. Robertson e J. Dowling, auxiliares da referida empresa para supervisionar o assentamento das linhas e montagem dos veículos.

Em setembro de 1906 já havia grande parte do material necessário ao assentamento dos trilhos da primeira linha, que seria do Ver-O-Peso até o Marco da Légua.

O intendente municipal prometeu ao gerente da nova companhia, que em vista da morosidade da tramitação dos papéis, concederia permissão provisória para os serviços preliminares, antes de aprovar o projeto definitivo de todas as suas linhas.

Era esperada, para dezembro, a chegada de 20 bondes de acordo com o tipo que foi aprovado pelo senador Antonio Lemos.

Os tipos de bondes eram:

1 — carro-vestíbulo (salão) de primeira classe;

2 — carro aberto de segunda classe;

3 — carro misto Preston, conversível, destinado a duplo serviço;

4 — carro Brill conversível;

5 — carro combinado para passageiros e bagagens. (4)


O material elétrico seria fornecido pela casa J G White & Cia . de Londres, e os bondes da "The United Electric Co. Ltd." Além desses veículos, chegaram também dois carros especiais destinados aos governador do Estado e intendente municipal.


7. Inauguração do bonde elétrico

1907 — Surge o grande melhoramento! 

No dia 15 de agosto é inaugurado o serviço de viação urbana por meio de bondes elétricos, substituindo os bondes a burro

Conta-nos Ernesto Cruz: “Saíram os primeiros veículos da estação de São Jerônimo, conduzindo autoridades municipais, estaduais, federais e eclesiásticas, seguindo-se os demais convidados em 21 outros carros, percorrendo o seguinte trajeto: av. São Jerônimo, praça da República, av. 15 de Agosto, ruas Dr. Pais de Carvalho e Senador Manoel Barata, av. 16 de Novembro até o ponto de Ver-O-Peso. O regresso foi feito pelas ruas Conselheiro João Alfredo, Santo Antonio, 15 de Agosto, praça da República, rua São Jerônimo até a estação". (5)

No “Álbum do Estado do Pará”, edição de Augusto Montenegro — Paris, 1909, há o seguinte comentário sobre a “Pará Electric Co.’’, à pág. 45: “O movimento da companhia de bondes ‘The Pará Electric and Lighting Co. Ltd.' pôde bem dar uma idéia perfeita do desenvolvimento da cidade e do aumento de sua população".

"Apesar de não ter ainda todas as linhas inauguradas, a companhia de bondes arrecada de passagens, diariamente, de 7 a 8 contos de réis (12 ou !3 mil francos) e nos domingos e dias de festas mais de 10 contos (16 a 17 mil francos). Uma vez inauguradas todas as linhas, o que está quase a ser feito, pode-se calcular a receita dessa companhia em 10 contos diariamente. O tráfego dos bondes e mais o lucro com a iluminação pública e particular, que também é fornecida pela Pará Electric Co., dão a essa companhia os resultados que a tornam uma das mais lucrativas empresas do Brasil.” (6)

A diretoria local era composta por Lúcio F. do Amaral e Augusto Octaviano Pinto. O capital da companhia na época era de 700 mil libras, divididas em 70 mil ações preferenciais.


8. Outras linhas

Em 26 de setembro de 1907 é inaugurada a linha elétrica para Nazareth.

Em vista dos carros serem novos e os serviços sob horário mais rígido do que os dos bondes a burro, os elétricos abusavam um pouco da velocidade, o que motivou este comentário irônico em um jornal da época:

“Em Belém, os bondes elétricos parece que pertencem a sócios de empresas funerárias e fábricas de sabão, pois são inúmeras as vidas humanas e caninas que liquidam."

"Durante os meses de fevereiro, março e abril, segundo um jorna! local, deram-se cerca de 20 desastres graves, vitimando crianças, moços e velhos."

“Os cães, então, contam-se por centenas os que são vitimados pelos que eles lá denominam "pavorosos” e que correm pelas ruas com uma velocidade espantosa, esmagando o que encontram na frente, abalroando carros, carroças, automóveis etc. São como se vê, uma verdadeira calamidade!” (7)

Apesar dessa campanha depreciativa, em 14 de junho de 1908 é inaugurada a linha elétrica para o cemitério de Sta. Isabel.

Finalmente a 7 de julho de 1908 é extinta a viação a tração animal na cidade, com a eletrificação das quatro últimas linhas que ainda usavam esse sistema de tração, ficando assim a capital do Pará com 14 linhas de bondes.

Em 7 de agosto é inaugurada mais uma linha entre o Marco da Légua e o Ver-O-Peso. Nessa época a companhia estava fretanto bondes especiais para funerais e quaisquer outras romarias. Nessa mesma época (10 de agosto de 1908) declararam-se em greve os motorneiros e condutores dos bondes elétricos, exigindo a diminuição das horas de trabalho e a extinção do sistema de multas repetidas.

O tráfego passou a ser feito muito irregularmente, sendo poucos os veículos que saiam às ruas, uns guiados por empregados do escritório e outros por policiais.

Com a promessa do gerente da companhia de atender às reivindicações dos grevistas. exceto quanto ao aumento de salários que dependia da diretoria em Londres, a greve terminou imediatamente.

A extensão das linhas de bondes elétricos atingis cerca de 55 km e o material rodante já se compunha de aproximadamente 100 carros motores e reboques Transportava diariamente 2.500 passageiros ou cerca de 730 mil por mês Em janeiro de 1909, a fim de "evitar que os bondes elétricos e os automóveis figurassem entre as moléstias do obituário de Belém". Virgílio Sampaio apresentou, è coo- sideraçáo do Conselho Municipal, o seguinte projeto


Artigo 1.° — Ninguém poderá exercer a profissão de motorneiro ou "chaufeur" sem que prove habilitações especiais para isso, perante uma comissão nomeada pelo Intendente Municipal.

§ Único — Aos motorneiros e "chaufeurs" assim habilitados, serão expedidos, pela Intendência, os respectivos diplomas.

Artigo 2 * — O Intendente regulamentará em detalhe, a velocidade a desenvolver pelos automóveis, de modo a prevenir colisões ou outros acidentes, estabelecendo penas para os motorneiros ou "chaufeurs" que Infringirem o que foi regulamentado

§ Único — A pena máxima aos motorneiros ou "chaufeurs" será a suspensão do exercício profissional por tempo determinado

Artigo 3.° — Revogam-se as disposições em contrário.

A empresa adquiriu posteriormente dois tipos de veículos: os de primeira e segunda classe. Os de primeira classe eram fechados e tinham assentos estofados (o povo os apelidou de "balanganda”). Possuíam balaústres de alumínio e a passagem cobrada era 120 réis, quando nos de segunda classe eram cobrados 100 réis.

As linhas percorridas pelos carros elétricos eram as seguintes:

Cidade Velha-Bagé; Tamoios; Jurunas; Batista Campos; Cremação; Santa Izabel; São Brás; Marco; Souza; Pedreira; Curro; Circular (centro da cidade); Nazareth e Marco da Légua/Ver-O-Peso. 


9. Concorrência e declínio

Como aconteceu em várias cidades brasileiras, e veremos mais adiante, a maioria dos concessionários dos serviços de bondes, amarrados por contrato de monopólio (somente para veículos sobre trilhos) e tarifas baixas, sofreram a concorrência do auto-ônibus, que geralmente fazendo o mesmo trajeto arrebanhava passageiros, mesmo com tarifas mais altas e custos de manutenção talvez mais baixos, pois o seu leito de tráfego era da prefeitura e os moradores que o calçavam, ao contrário dos bondes que tinham as companhias concessionárias para assentar seus trilhos nas ruas e ainda calçálas, para os ônibus ali trafegarem fazendo concorrência...

Note-se que em Belém, o serviço de auto-ônibus começou cedo em comparação com outras cidades. Sabe-se por notícia, em 1.° de maio de 1911, que foi iniciado um serviço de auto-ônibus nessa data, entre o centro da cidade e vários subúrbios. Posteriormente foram eles se alastrando por toda a cidade.

Em vista dessa concorrência e consequente diminuição do número de passageiros, a Pará Electric, em janeiro de 1926, pleiteou a unificação de todas as passagens para 200 réis, em qualquer percurso, sem distinção de classe. Em contrapartida se comprometia a construir a linha da Pedreira, enquanto o Conselho Municipal obrigaria a companhia a desenvolver suas linhas, tornando duplas as que ainda se conservavam singelas, aumento de bondes, construção de estações intermediárias além da reforma completa do material rodante.

O conselho autorizou a unificação das passagens em 28 de janeiro, com uma alteração contratual. 

Assim, em obediência ao novo contrato, já em setembro de 1926 é inaugurada a linha da Pedreira. Os bondes partiam da praça Camilo Salgado (antigo largo de Santa Luzia) e percorriam a av. Pedro Miranda até o final da travessa Maurity, onde a linha fazia uma curva e de onde os veículos regressavam ao ponto de partida. O percurso era de cerca de 1.800 m.


10. "Finis”

Antes de terminar o contrato em 1947, a Cia. Pará Electric Co. foi sujeita à intervenção federal, que extinguiu os serviços de bondes em 27 de abril de 1947, com um decreto que declarava a caducidade do contrato de concessão outorgado pela prefeitura de Belém.

Por essa época havia, congestionando o tráfego nas ruas de Belém, cerca de 200 empresas de ônibus, todas lançando a culpa do congestionamento diário sobre os indefesos bondes elétricos.

Os últimos bondes a trafegar foram importados de "Cardiff" (Inglaterra).

Estes bondes foram lançados em setembro de 1927 em Belém, com grande êxito popular. Um jornal assim comenta: "Belém — realizou-se com o mais completo êxito a experiência oficial dos novos carros elétricos vindos de Londres para a Pará Electric".

“Os referidos carros que já devem ter entrado definitivamente em tráfego são do tipo fechado e são os mais modernos em uso nas grandes capitais; construídos de aço e madeira real, fortes, tendo lotação para 28 passageiros cada um, medindo de comprimento 27 1/2 pés por 8 pés e 1/2 polegada de largura”.

“Estes carros saíram por preço avultadíssimo à Pará Electric em face do elevado custo por que foram adquiridos (83:192$650) cada um e dos direitos aduaneiros que importaram para cada um em réis (64 354$800) dando um total de 147 347$130 para cada carro. Os novos bondes importaram assim h companhia em 737 735$700" (8)


Por aí pode-se ter idéia da dificuldade que encontrava pela frente uma companhia de bondes para importar um veículo. O preço dos direitos aduaneiros quase igualava o valor da compra do veículo. Como estávamos sob um governo cujo lema era “governar é abrir estradas" (onde se lê estradas leia-se rodovias...) não interessava manter um serviço sobre trilhos e dava-se todo o auxílio e subvenções à importação de automóveis, auto-ônibus, gasolina etc.

Por esse motivo, sem possibilidade de expansão, a companhia foi declinando. Em abril de 1931, o governo do Estado entra em entendimento com a Pará Electric para que se efetue nova reforma no contrato, desta feita para restabelecer as passagens de 100 réis para os bairros operários, bem como o tráfego de bondes de primeira classe em todas as linhas durante toda a noite. Mas já era tarde e, em julho desse ano, alegando queda de câmbio, falta de renda e não podendo pagar os juros das debêntures do ano em curso, a empresa pedia a moratória.

Assim, foi se mantendo claudicantemente. Seu último alento foi em fevereiro de 1936, quando a Pará Electric na impossibilidade de estender suas linhas para outros bairros, “em vista do preço dos trilhos” anunciou que iria importar 15 ônibus modernos, "iguais aos da Light do Rio, a fim de os pôr em serviço pelo mesmo preço dos bondes". Mesmo assim, em 1940 a Cia. Pará Electric renovou parte da frota de bondes com a compra de novos veículos importados da Inglaterra. Eram estes veículos fechados com assentos forrados de palhinha e dotados de moderníssimos freios automáticos.

Era governador do Estado, na época da extinção dos bondes, Moura Carvalho e prefeito Teivelindo Guapindaia, tendo sido nomeado em setembro de 1946, por força de decreto-lei de julho, que autorizava a intervenção na companhia em vista de sua situação aflitiva. Esse interventor, Belino Lameira Bittencourt, engenheiro do DNOCS, publica a seguinte nota nos jornais de 26 de abril de 1947:


“O interventor federal da Pará Electric, confirmando os termos da nota oficial, comunica por este meio a todos os servidores desta empresa, que a partir de amanhã, 27 do corrente, será suspenso o tráfego de bondes. Os motivos de tal medida, resultante de entendimentos havidos entre o governo da municipalidade e esta interventoria com aprovação do governo do Estado, estão suficientemente esclarecidos na nota acima referida. Resta-me, entretanto, aqui cumprir o dever de comunicar a todos os empregados do Departamento de Tráfego e suas dependências, que como consequência inevitável, terá de se yerificar a dispensa de todos os que, até aquela data, vêm exercendo suas atividades no referido Departamento.

Desnecessário será dizer quão pesaroso é para esta interventoria ter de tomar medida que atinge velhos e bons servidores, cuja situação procuraremos resolver de forma mais conciliatória possível, independente de qualquer direito que porventura lhes assista.”


1) História do Pará — Ernesto Cruz — 1967

2) Relatório do Ministério da Agricultura para 1875, pág. 80.

3) Belém — Aspectos Geo-Sociais do Município Ernesto Cruz — José Olympio — 1945.

4) Relatório do intendente, senador Antonio J. Lemos — 1907.

5) Belém — Aspectos Geo-Sociais do Município — Ernesto Cruz — José Olympio Editora — 1945.

6) Album do Estado do Pará — Augusto Montenegro, Paris — 1909.

7) O Estado de S. Pauio — 8-5-1908.

8) Brasil Ferro-Carril — nº 520 de 15-9-1977


AO RODAR DO BONDE

Revista Ilustrada

(Angelo Agostini)

1.³-1-1876

Artigo assinado por Rolando 

Gosto dos bondes e tenho minhas razões.

A locomotiva tem seus admiradores; o telégrafo seus apologistas, o espiritismo seus adeptos.

Eu gosto dos bondes.

Entre todos os Inventos que a civilização moderna reclama como glória sua, eu dou aos bondes o primeiro lugar

Haverá muitos que não me dêem razão; paciência! pensarão comigo todos os acionistas da São Cristovão.

Já houve quem dissesse que o telégrafo é a mais bela conquista do nosso século. Quem assim falou não conhecia por certo ainda os bondes

O telégrafo é um luxo caro: o bonde é uma necessidade barata

Pelo telégrafo manda-se; no bonde vai-se e: quem quer vai. quem não quer manda

O telégrafo não passa de uma leva-e-traz que nos esfola as algibeiras: no bonde vai-se e vem-se a gente sem esfolar cousa alguma.

No bonde fuma-se; pelo telégrafo nem ao menos se pode apreciar uma pitada.

Nos bondes viaja muitas vezes folgadamente o sr Ferreira do Apóstolo, enquanto que o telégrafo com suas missivas de Roma, tem feito diminuir as banhas (?) do grande chefe suíno.

Milhares de pessoas conduz o bonde è Glória, o telégrafo tem ajudado a conduzir muitos ao xadrez.

O bonde é um carro, agasalha muita gente; o telégrafo é um fio onde apenas podem pousar pequenos pássaros.

O bonde é um substantivo, pode ser sujeito da oração: o fio um verbo sujeito apenas a ser conjugado.

Enfim, o primeiro tem curso no tesouro, nascente na praça, e tem enriquecido a muitos: o segundo tem encalacrado a todos que o conjugam na primeira do indicativo.

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